Os tradicionais saraus da UEM, eventos culturais gratuitos que são
realizados há mais de uma década pelo DCE e pelos Centros Acadêmicos,
tem gerado um tanto de polêmica nos últimos anos. Como parte de um
processo de intensificação da repressão aos acadêmicos da UEM, os
setores mais conservadores da sociedade maringaense acusam os estudantes
de promoverem baderna nos saraus, pintando uma falsa imagem do evento
que se assemelha a um bacanal. Longe da verdade, estes setores
conservadores escondem por trás da máscara da argumentação moral os
interesses econômicos da especulação imobiliária de Maringá. Para
compreender este conflito, é preciso em primeiro lugar analisar o
contexto em que os saraus estão inseridos.
Existentes há mais de uma década, os saraus da UEM fazem parte de uma
tradição ainda mais antiga do movimento estudantil de realizar eventos
culturais gratuitos nos campus das universidades públicas brasileiras.
Grandes universidades de prestígio, como a UNICAMP, UFSCar e UFRJ,
realizam eventos similares com regularidade, inclusive permitindo a
venda e consumo de bebidas alcoólicas, o que constitui o financiamento
das entidades estudantis nessas universidades. Para a maior parte do
Movimento Estudantil brasileiro, as universidades públicas, além de
fornecer o ensino gratuito, também devem promover eventos culturais
gratuitos, de forma que todos os alunos, independente de renda, tenham
acesso à cultura. A posição do Movimento Estudantil da UEM não é
diferente: a cultura pertence a todos!
Infelizmente, Maringá oferece uma vida cultural extremamente
limitada, em que os eventos gratuitos se tornam cada vez mais escassos.
Para quem mora aqui, assistir um evento cultural geralmente implica em
pagar um ingresso, o que exclui a participação da população de baixa
renda. A Prefeitura Municipal, que não cumpre o Edital de Cultura há
cinco anos, reforça esta visão elitista, reduzindo as atividades
culturais gratuitas a apresentações de música erudita (Convite à
Música), dança contemporânea (Convite à Dança) e filmes (Projeto Um
Outro Olhar), além de escassos projetos esporádicos. Estas atividades,
promovidas pela Secretaria de Cultura de Maringá, são claramente
orientadas para a classe média, sendo realizadas quase sempre em bairros
longe da periferia. Quem não possui o poder aquisitivo necessário para
pagar a entrada nos eventos caros da cidade, basicamente fica excluído
da vida cultural da Maringá.
Na UEM a situação não muda muito. A Diretoria de Cultura, que possui
uma verba diminuta, realiza poucos eventos gratuitos, e quando estes
eventos são realizados, a capacidade de receber alunos também é
limitada. Cabem poucas pessoas no teatro da UEM, que está longe de
atender a totalidade da comunidade acadêmica da universidade. O projeto
de construção da Concha Acústica está parado, e os eventos culturais nas
cinco extensões da UEM são raríssimos. Vemos que a administração da
UEM, assim como a de Maringá, trata a cultura com descaso. Mais uma vez,
o acesso gratuito a eventos culturais permanece o privilégio de poucos.
Para compreender ainda melhor o contexto em que os saraus se inserem,
é preciso analisar mais um fator: a repressão aos estudantes da UEM.
Desde 2007, o Jardim Universitário, bairro em que, como o nome sugere, a
maioria são estudantes, vem sofrendo um processo intensificado de
repressão aos estudantes. Com o aumento do valor dos imóveis no bairro
(que possui o aluguel por metro quadrado mais caro do Paraná),
iniciou-se um novo boom de construções. Neste terreno fértil para o
lucro, passou a ser interesse do setor de especulação imobiliária
(construtoras e imobiliárias) que o Jardim Universitário seja cada vez
mais silencioso, com menos bares e barulho. Desta forma, o preço dos
imóveis aumenta, assim como o lucro deste setor. Por coincidência, neste
setor se encontra alguns dos maiores apoiadores do atual prefeito,
Sílvio Barros II.
Os primeiros bares a fecharem as portas foram o Pilequinho e o Beer
House em 2007, que cederam à própria especulação imobiliária. Esse mesmo
ano foi acompanhado de inúmeros casos de abuso de poder e violência
excessiva da Polícia Militar durante os dois vestibulares da UEM, numa
época em que a Avenida Mário Urbinatti se via cheia de estudantes e
vestibulandos durante a tarde e a noite. Em 2008, a Câmara Municipal
aprovou a Lei Seca no Jardim Universitário, proibindo os bares do bairro
de comercializarem bebidas alcoólicas durante os vestibulares. Em 2009,
se iniciou um processo de repressão intensificada às festas em
repúblicas estudantis, sendo aprovada no mesmo ano uma nova Lei Seca
proibindo o consumo de bebidas alcoólicas em bares a 150 metros de todas
as instituições de ensino superior de Maringá. Para coroar este
processo, neste ano a Prefeitura praticamente inviabilizou as festas de
estudantes que eram realizadas em chácaras em locais afastados do
perímetro urbano, em que o barulho não atinge lugares com alta densidade
populacional. Ou seja, o poder público de Maringá basicamente proibiu
os alunos da UEM de realizarem festas nas suas próprias casas (em que o
aluguel é caro), proibiu as festas em chácaras, e aprovou duas formas
diferentes de Lei Seca destinadas à atingir os estudantes, além de focar
boa parte dos esforços do 4º Batalhão para reprimir qualquer forma de
manifestação festiva dos universitários da cidade. As baladas caras, e,
portanto elitistas, da Avenida Tiradentes e outras regiões centrais,
porém, em nenhum momento se viram ameaçadas. Em Maringá uma tendência se
alastra há tempo: o que importa é o lucro, especialmente se quem lucra
apóia a atual administração municipal.
E os saraus com tudo isso?
Frente à ausência de eventos culturais gratuitos na cidade e na
própria universidade, os estudantes da UEM, seja de forma autônoma ou
com o respaldo de suas entidades representativas, há muito tempo
organizam os diversos saraus. Enquanto que a UEM e a administração
municipal não oferecem qualquer forma de atividade cultural gratuita
capaz de atingir grandes números de pessoas, os estudantes da UEM, com
recursos mínimos (e muitas vezes contando apenas com a camaradagem),
organizam os saraus, permitindo que um grande número de pessoas tenha
acesso a apresentações culturais gratuitas. Aliás, acho seguro dizer que
neste ano um número muito maior de pessoas freqüentou os eventos
culturais gratuitos organizados pelos estudantes da UEM do que aqueles
organizados pela Reitoria da UEM ou pela Prefeitura Municipal de
Maringá. A Secretária de Cultura de Maringá, Flor Duarte, e o Reitor da
UEM, Júlio Santiago Prates filho, deveriam envergonhar-se deste fato.
A Associação de Moradores do Jardim Universitário e a mídia local
muitas vezes demonizam os saraus, passando para a sociedade local uma
falsa imagem destes eventos culturais. Nos saraus noturnos, geralmente
realizados nas quintas ou sextas, o grupo que está na organização
providencia o equipamento de som necessário e bandas locais se
apresentam para o público, muitas vezes com leituras de poemas
intercaladas entre as bandas. Vale a pena notar que muitas das bandas
locais mais badaladas começaram sua carreira musical tocando de graça
nos saraus. Quando os saraus diurnos realizados aos sábados ou domingos,
além de apresentações musicais, outras atividades artísticas são
apresentadas. Entre as atividades desenvolvidas nos saraus deste ano,
estiveram: oficinas de mosaico (nas mesas do DCE), apresentações
circenses, leitura de poemas, varais de poemas e fotos, doações de
livros, oficinas de tie-dye e estêncil, murais livres e uma feira de
troca. Sendo que a UEM é um lugar público de livre acesso para a
comunidade (e deve permanecer assim), as atividades realizadas durante
os saraus foram abertas a toda a comunidade.
Ao contrário do que a imprensa local já divulgou, o sarau não é um
bacanal. Nunca presenciei uma cena de sexo durante o sarau, nem conheci
qualquer pessoa que tenha presenciado. Se durante os saraus pessoas
consomem drogas, não é um reflexo do sarau em si, mas sim de toda a
sociedade. É preciso enxergar a realidade: drogas são consumidas na UEM
assim como são fora dela, tanto em um sarau quanto em uma das baladas
elitistas da Avenida Tiradentes, ou nos gabinetes de muitos de nossos
políticos. Os grupos que assumem a organização dos diversos saraus,
assim como em qualquer outra instância, não podem controlar todas as
pessoas que presentes no sarau. Pensar que existe qualquer lugar da
sociedade onde as pessoas não consomem drogas condiz muito mais com uma
utopia do que com a realidade.
Nos últimos meses, principalmente após o fechamento do Kanarinhu’s,
temos notado que o público dos saraus, especialmente os de quinta-feira,
tem aumentado de forma significante. Os saraus não são freqüentados
apenas por alunos da UEM, mas pelos mais diversos setores da juventude
maringaense. Na ausência de outras atividades culturais gratuitas, os
acadêmicos da UEM e a comunidade externa comparecem cada vez em número
maior nos saraus, mostrando que a realização destes é uma vontade
legítima de milhares de pessoas. Quanto mais aumenta o número de pessoas
que freqüentam os saraus, mais claro fica o descaso com a cultura por
parte da Reitoria e da Prefeitura Municipal, e a falta de vontade
política destas de realizar eventos gratuitos abertos a toda a
comunidade. O problema não é o sarau, é a falta de eventos culturais
gratuitos em Maringá. Apesar de toda a pressão que está sendo exercida
pela Associação de Moradores do Jardim Universitário e pela Reitoria da
UEM, os alunos desta universidade continuarão realizando os saraus
gratuitos e abertos a toda a comunidade.
Para os estudantes da UEM, os tempos não são favoráveis. Primeiro
veio a Lei Seca, e saímos da rua nos vestibulares. Depois fecharam
nossos bares, e então fomos para nossas casas para festar. A polícia nos
impediu de fazer as festas em nossas próprias repúblicas, então fomos
para longe, para que nossas bandas pudessem tocar nas chácaras
distantes. Mas de lá também fomos expulsos. Sem ter para onde ir, nos
refugiamos na UEM, nos encontramos nos saraus. Agora até os saraus
querem nos negar! Daqui para frente, não aceitamos mais nenhum passo
para trás.
http://www.folhademaringa.com.br/um-pouco-sobre-os-saraus/