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19/10/2014 às 02:00 - Atualizado em 19/10/2014 às 02:00
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Óscar Pedrós
- Ana Luiza Verzola
Arquiteto defende que
processo de verticalização e modelo que privilegia o carro acabaram com
conceito de cidade-jardim de Maringá.
"Morar não é simplesmente ficar em um lugar, mas viver bem"
epois de vir a Maringá em 2002 para um evento da Universidade Estadual de Maringá (UEM), o professor Óscar Pedrós, 37 anos, da Universidade de A Coruña, retorna para um período mais longo. Até março ele desenvolve aqui o pós-doutorado no Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU), trabalho que vai tratar sobre Espaço e Ilusão na Arquitetura, tema também de uma palestra que ministrou na instituição na última quinta-feira. Cativado pelo tratamento do maringaense, quando recebeu o convite para vir ao Brasil, não pensou duas vezes. "A distância ajuda a sedimentar nossos pensamentos pela mudança do ambiente onde você fica", comenta. Além do projeto, ele também vai dar aula para o mestrado. A expectativa única é absorver ao máximo o conhecimento que as pessoas podem lhe transmitir e, se possível, contribuir oferecendo um pouco do próprio saber para outras pessoas. De Galícia, na Espanha, Pedrós não teve tanta dificuldade em lidar com o português. Em entrevista ao jornal O Diário, o arquiteto e urbanista fala das transformações que observou na estruturação de Maringá, da arquitetura como forma de identidade de um local e a visão da arquitetura brasileira no exterior.
P.— Quais os principais pontos abordados na palestra, que falou sobre
"espaço e ilusão – um percurso pela história da arquitetura"?
R.—
Falo da conexão entre a disciplina do arquiteto e da mágica, entendendo a
mágica como arte da ilusão. Ela faz um percurso pelas arquiteturas onde
o arquiteto gera uma ilusão, percepção por causa de um problema que
precisava ser resolvido. No Renascimento, Donato Bramante na Santa Maria
presso San Satiro (igreja em Milão, Itália), faz um truque perspectivo
no altar para solucionar um problema de espaço. Faz esse truque no ponto
onde um fiel acha que é menos possível de fazer, precisamente onde fica
Deus. A palestra percorre esse mundo de arquitetos onde eles viravam
mágicos quando precisavam que o espectador percebesse outra coisa além
da realidade. Mágica é arquitetura, como as belas artes que são. Têm em
comum esse ponto por intermédio da percepção, da neuropsicologia, no
jeito de manipular. Não é um entretenimento, um passatempo, é uma
necessidade ou uma vontade de manipulação. Existe um motivo muito mais
definido. A base do meu doutorado é essa, a arquitetura e a ilusão.
P.— O que te motivou a ter essa abordagem?
R.— Quando era jovem,
amigos da minha turma que hoje são mágicos profissionais experimentavam
essa paixão já. Muitas vezes eu era cobaia. Fiquei muito surpreso com
isso e decidi escrever sobre do ponto de vista da minha profissão, mas
tentando compreendê-los da parte psicológica diante do espectador, da
mesma forma que o arquiteto mergulha na psicologia da ambição de sua
obra. Agora no pós-doutorado eu estou pesquisando de que forma a
arquitetura brasileira, principalmente no movimento moderno brasileiro,
os arquitetos mais cultos se aproximavam de um jeito instintivo a esses
mesmos postulados, ideias. Esse é o tipo de vínculo que eu busco na
arquitetura.
P.— Além da palestra, o senhor também vai dar aula na UEM, no
mestrado. Qual a expectativa de lecionar aqui? Vê diferença no público
acadêmico daqui para a Espanha?
R.— A expectativa mais interessante é
saber se a própria ideia da docência da arquitetura é tão global quanto
a própria arquitetura. Essa inquietude, esse jeito de compreender a
profissão é o que faz mais interessante esse estágio. Compreender que os
problemas são globais, que a docência e o jeito de encaminhar os alunos
tem muitas faces em comum, embora eu venha de outro continente.
P.— O senhor já veio a Maringá em 2002, e disse em uma entrevista
para a UEM que observou muitas mudanças na forma da cidade em dez anos. O
que mais te chamou a atenção?
R.— É um ponto delicado. O fato de
poder falar na universidade, um lugar onde o conhecimento se conserva, e
o fato de ter comprovado que os problemas são globais faz com que eu
fique muito surpreso com como a cidade mudou. Maringá é uma cidade mais
jovem que meus pais, algo impossível de ver hoje na Europa, foi criada
como um modelo de cidade-jardim, começou sendo uma cidade planificada e
agora eu acho que esse modelo tem dois pontos muito "interessantes". No
sentido de que são novidades para mim e que eu não concordo com eles.
Virou uma cidade no modelo americano, a cidade do carro. Ao mesmo tempo,
nessa cidade do carro, aconteceu o mesmo padrão de máquina capitalista
de verticalização da cidade. São duas perversões daquele modelo
concebido inicialmente. Fiquei em Curitiba alguns dias também e
constatei que é algo que vem acontecendo no mesmo padrão que vem
acontecendo aqui.
P.— O que se perde com essas transformações?
R.— A cidade acaba
perdendo o seu caráter humano. A cidade não é mais para as pessoas em
termos de espaço público. O jeito de verticalizar uma cidade envolve o
valor de um prédio e o ponto de contato do morador em contato com o solo
é menor. Isso faz com que a segurança seja maior. São coisas que estão
acontecendo em locais que já tem fama de ser perigoso, da experiência do
cidadão que não vive a cidade como uma extensão de sua morada, como
conexões que levam você de um lugar ao outro. Essa ideia tão legal do
Renascimento, do Barroco, da própria cidade-jardim, para o morador faz
com que não seja tão interessante mais. É uma patologia que um arquiteto
tem de estudar como um médico estuda as patologias do gênero humano.
P.— Existe alguma forma de reverter esse processo?
R.— Acho que
não. A situação econômica, a máquina do sistema não permite reverter o
processo somente com a arquitetura. Nós trabalhamos para encontrar meios
de cuidar, os arquitetos estão atuando como agentes paliativos dessas
doenças. Só que essa doença requer que você mergulhe no DNA do problema,
e não depende somente do arquiteto e urbanista, mas da sociedade, da
posição das pessoas nesse mundo. É preciso de uma generosidade maior. O
agente que vai poder materializar essa nova sociedade é o arquiteto,
porque o arquiteto, em termos de morar, sempre materializou os sonhos do
homem. Mas é preciso de um consenso muito maior.
P.— Além da verticalização, outra situação presente em Maringá é a
questão dos condomínios fechados. É uma tendência que deve continuar?
R.—
Por causa do mecanismo econômico. A plus valia do solo expulsa as
classes menos favorecidas. Elas ficam no entorno da cidade e essa
situação urbanística gera uma tensão, novamente, por causa da economia. O
espaço agora é um valor de câmbio, e é esse o verdadeiro problema que
faz com que o arquiteto precise de uma governança que acredite nele.
Toda vez que isso (a crença da governança) aconteceu na história, o
resultado foi ótimo. Perto de onde eu moro existe uma cidade chamada
Santiago de Compostela, uma cidade de peregrinação com 800 anos de
história. As últimas atuações urbanísticas protegeram esse bem histórico
em termo de altura, dimensões e sensibilidade material. Agora, porém,
temos um novo projeto de arquitetos megalômanos que pretendem construir
uma outra cidade da cultura ao lado dessa cidade. O povo entende que a
cidade da cultura é Santiago, embora outra seja construída ao lado. Isso
acontece porque a essência dessa cidade é feita da relação das pessoas
com o lugar, e não por causa da ação do homem independente. A história
fala de nossas raízes como habitantes de mundo.
P.— O que a história da nossa arquitetura pode nos ensinar sobre nossa cultura?
R.—
A arquitetura é a necessidade de morar, depois ela vira linguagem. Foi a
primeira interpretação do homem do mundo onde ele morava. Uma barraca
feita com pauzinhos de madeira, essa foi a primeira arquitetura.
Esquecemos que morar não é simplesmente ficar em um lugar, mas viver
bem. A linguagem é o jeito em que a tecnologia ajuda o arquiteto a
interpretar essa necessidade de morar. Uma das perversões da tecnologia é
a vontade de grandeza, sofisticação excessiva, de artificialização.
P.— Qual é a sua visão da arquitetura brasileira?
R.— A vontade de
grandeza foi medida porque os arquitetos que tinham a responsabilidade
cultural desse país tinham um interesse profundo pela profissão. Depois
você tem arquitetos mais formalistas, com uma linguagem mais marcada,
como Oscar Niemeyer, que projeta uma cidade artificial no meio do mato.
Ele teve esse encargo político de fazer isso. Mas em geral, arquitetos
como Lina Bo Bardi, Vilanova Artigas ou Mendes da Rocha, fazem uma
arquitetura que ainda que se imponha no lugar, pode ser entendida de um
outro modo. Como, por exemplo, essa estrutura monótona da rodoviária de
Curitiba do Rubens Meister, que vira um elemento com movimento pela
simples torção de um pilar.
P.— O Brasil, por ter recebido muitos imigrantes, principalmente
europeus aqui na Região Sul, teve uma tendência a absorver
características da arquitetura dessas outras culturas. Hoje podemos
pensar que o brasileiro conseguiu imprimir personalidade na própria
arquitetura?
R.— Sim. O que entendemos da arquitetura brasileira lá,
do outro lado do oceano, é a escola que surgiu dos arquitetos do período
moderno. Com a imagem muito potente, presença grande do concreto, mas
mantendo uma visão poética do espaço. Essa é a visão que temos do
movimento moderno brasileiro. A tecnologia nesse sentido auxilia se for
utilizada com reflexão. Não é o fato de que o concreto resiste mais, mas
de que se pode colocar o concreto desse jeito para conseguir um diálogo
com o lugar.
P.— O senhor comentou que a arquitetura surge como uma necessidade de
morar. A questão da reflexão e da poesia contribui de que maneira na
arquitetura?
R.— Se a arquitetura é a posição do homem em um lugar, a
sua interpretação do que faz no mundo, a tecnologia ajuda a evoluir. O
jeito como o arquiteto utiliza essa tecnologia faz com que do mesmo
jeito uma barraca de madeira fica em um lugar, integrando, fica uma
arquitetura anônima, invisível, faz com que a arquitetura possa ser um
elemento que conquista o lugar ou que dá ao lugar uma identidade. Pode
ser uma arquitetura comum, ou torna um elemento estruturador urbano. Só
que muitas vezes essas vontades ficam em um catálogo de ícones, que não
precisamos.
UNIVERSIDADE. Óscar Pedrós já esteve em Maringá em 2002 e volta agora, para ficar um período maior. Vai atuar como professor convidado no mestrado de Arquitetura da UEM. —FOTO: JOÃO PAULO SANTOS