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Um momento à insensatez


Sempre admirei as profundezas do mar, mas nunca ousei escrever ou passar alguma informação sobre o assunto, pois me considero incapacitado para emitir opinião sobre o tema.

Alguns anos atrás escrevi artigos nesse mesmo jornal sobre a incoerência de Maringá ter um Hospital Municipal sem ter terminado o Hospital Universitário. O que eu previa naquela época é exatamente o que está acontecendo hoje. Temos um HUM inacabado, atendendo com dificuldade a população de Maringá e região e um Hospital Municipal pronto, mas a prefeitura não tem condições de tocar, porque se o assim fizer vai quebrar e não terá condições de manter qualquer outra atividade. Esses artigos se encontram à disposição nesse jornal. Na época paguei um preço muito alto porque simplesmente previ o óbvio.

O que seria motivo de júbilo para mim, quando abro o Jornal do último dia 1º de maio e vejo que o curso de medicina da UEM é simplesmente o melhor do Paraná e um dos melhores do Brasil, me deparo com tentativas de criação de outros cursos de medicina na nossa cidade. A China tem mais de 1 bilhão de habitantes e menos escolas de medicina que o Brasil. Não existe falta de médicos, há médicos em demasia na nossa região e no Brasil, o que existe é falta de gerenciamento, que se inicia na sociedade leiga e que se estende até as escolas de medicina, que privilegiam a alta complexidade em detrimento da consulta básica.

Nos Estados Unidos, no início de século, a medicina estava numa situação calamitosa. Um educador não médico, Abraham Flexner (1866-1959), foi convocado para resolver os graves problemas de ensino nessa área. Qual foi a sua conduta? Fechou-se uma grande quantidade de escolas médicas que não tinham condições mínimas de funcionar e a partir daí a medicina americana deu salto de qualidade.

A medicina é cara, o custo profissional de se manter atualizado é altíssimo. Querer se socorrer de "escolinhas" de medicina é, para não dizer outra coisa, senão insensatez. Todas essas "escolinhas" começam com 100 a 200 alunos, porque dizem, com todas as letras, que, como menos do que isso, é inviável economicamente. Diferentemente da UEM, que começou com 20 alunos, e, progressivamente aumentou para 40, após resolver suas dificuldades, que, aliás, ainda existem e em grande número. Não acredito que alguém que pague de R$ 3 mil a R$ 4 mil por mês de mensalidade escolar vá trabalhar, após a conclusão do curso, num posto de saúde, para receber metade disso como salário.

Podíamos então fazer uma espécie de contrato de risco: todos os parentes dos criadores dessas escolas só poderiam ser atendidos pelos profissionais que eles ajudaram a formar. Ou será que eles não teriam nenhuma responsabilidade pelas crias que ajudaram a botar no mundo? E se é, como dizem, para resolver o problema de saúde pública, os alunos só receberiam o diploma se aceitassem trabalhar unicamente no serviço público durante, pelo menos, cinco anos após a sua formatura.

Querer que pessoas trabalhem por preços vil é lutar para manter um sistema que a princesa Izabel já derrubou no século passado. Quero crer que essas pessoas estão simplesmente equivocadas e que não existe nenhum outro interesse escuso nisso e as convoco para juntos terminamos o HUM, lutar para que essa escola pública e de altíssimo nível passe a ofertar não 40 mas talvez 60 vagas e continuar formando os verdadeiros profissionais que a nossa região necessita.


► José Carlos Amador é Professor de Medicina da Universidade Estadual de Maringá (UEM), superintendente do Hospital Universitário Regional de Maringá e membro da Academia Paranaense de Pediatria.