Extroversão aumenta probabilidade de a pessoa participar de protestos Fábio Vasconcellos
- Jornal O Globo
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Pesquisadores que estudam comportamento político na Europa e nos Estados Unidos utilizam com frequência características psicológicas dos cidadãos como forma de entender como as pessoas votam, por que preferem ou rejeitam determinadas políticas, partidos ou mesmo quais os principais sinais daqueles com inclinações conservadoras ou progressistas. No Brasil, esses estudos ainda são esporádicos. Mas, recentemente, dois pesquisadores apresentaram no 9º Congresso da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), realizado em Brasília, este ano, um estudo no qual discutem alguns aspectos que podem ajudar a entender melhor por que algumas pessoas se sentem mais ou menos motivadas a participar de manifestações políticas no contexto da América Latina.
Denominada "Personalidade e Protesto na América Latina: bases psicossociais da contestação", a pesquisa dos professores Ednaldo Ribeiro, da Universidade Estadual de Maringá e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, e de Julian Borba, da Universidade Federal de Santa Catarina, testou o impacto da abertura à experiências, extroversão, conscienciosidade (pessoas disciplinadas), sociabilidade (pessoas generosas e calorosas) e estabilidade emocional (pessoas calmas e equilibradas) na chance de o cidadão participar de protestos políticos. O Blog conversou com o professor Ednaldo Ribeiro sobre a pesquisa (veja abaixo
Financiado pelo Cnpq e Fundação Araucária, o estudo utilizou a base de dados de uma pesquisa de opinião aplicada em 16 países pelo Latin American Public Opinion Project (Lapop). Pelo levantamento do Lapop, os argentinos foram aqueles que mais participaram de manifestações (15,4%), seguidos dos peruanos (12,2%) e paraguaios (12%), em 2010, ano de referência dos dados. Diante desses percentuais, os testes realizados pelos pesquisadores brasileiros identificaram que a extroversão e a sociabilidade foram as características psicológicas que mais impactaram a participação dos latinoamericanos em protestos. Quanto mais extrovertido, maior a probabilidade de o entrevistado ter comparecido a um protesto. Já a sociabilidade reduziu as chances de a pessoa ter ido a uma manifestação. No estudo, Ribeiro e Borba ponderam que, embora essas relações não possam ser aplicadas em todos os contextos, elas são um passo importante ao menos para compreendermos como os cidadãos de algumas países da América Latina estão mais ou menos inclinados a participar de protestos.
Entre os países pesquisados, sete apresentaram resultados consistentes para a relação entre extroversão e participação em protesto. Num dos trechos do estudo, os pesquisadores brasileiros afirmam que "esses resultados confirmam a relevância desse fator (extroversão) da estrutura da personalidade para modalidades de comportamento político que envolvem a interação interpessoal. No caso do protesto político, que comporta esse tipo de contato e a convivência (ainda que efêmera) entre as pessoas, o traço psicológico em questão parece desempenhar papel importante no engajamento".
Os resultados estatísticos mais significativos para a relação entre extroversão e participação em protestos foram para o Panamá, Chile e Venezuela. No caso dos panamenhos, que registram valores mais robustos, o aumento de apenas um ponto na escala de maior extroversão, segundo a percepção do próprio entrevistado, aumentou em 17% a probabilidade de ele ter participado de um protesto nos últimos doze meses. No caso dos chilenos, o aumento de um ponto na escala de extroversão ampliou em 15,9% as chances de participação em protestos.
O teste da extroversão entre os entrevistados no Brasil não apresentou resultado estatisticamente significativo. Aqui, a sociabilidade foi o que mais pesou, só que no sentido de desmobilizar a participação. Cada aumento de um ponto na escala de sociabilidade, segundo a percepção do entrevistado, reduziu em 10% a chance de o brasileiro ter comparecido a uma manifestação. O maior impacto da característica da sociabilidade ocorreu no Chile. Lá, a cada aumento de um ponto na escala, reduziu em até 17% a chance do chileno ter ido a uma manifestação. Segundo o estudo, "em termos gerais, podemos afirmar que a sociabilidade, associada à rejeição do conflito e a posturas amáveis no trato com os outros é um componente importante para a compreensão do protesto político na região, apesar dos efeitos não serem generalizados entre todos os países".
Por que estudar aspectos psicológicos do cidadão como elemento determinante da participação política?
Ednaldo Ribeiro: A agenda de pesquisas em comportamento político sempre se preocupou em identificar as bases do engajamento político buscando suas raízes últimas. Durante muito tempo isso significou analisar os efeitos de atributos sócio-demográficos individuais como escolaridade, renda, idade, etc. Desenvolvimento recentes na psicologia e na biologia, entretanto, inauguraram uma nova fronteira para os pesquisadores, pois viabilizam a análise de bases que antecedem até mesma a constituição do “ser social” e que teriam potencial efeito sobre diferentes dimensões do comportamento humano. O estudo dos aspectos psicológicos é a primeira frente de desenvolvimento aberta, mas já existem cientistas políticos que se vincularam à equipes multidisciplinares para tentar mapear fatores genéticos e biológicos que afetariam diretamente diferentes atitudes e comportamentos políticos.
Entre as características analisadas, a extroversão e a abertura a experiência são características muito parecidas, não?
Ribeiro: De fato, essas duas dimensões estão associadas, mas não de forma forte o suficiente para serem reduzidas a uma única. A abertura à experiência diz respeito à uma disposição intelectualizada aposta ao dogmatismo, sendo mais correlacionada à características cognitivas e atitudinais do que comportamentais. A extroversão, por outro lado, está fortemente ligada à adoção de comportamentos de interação social. Desta forma, indivíduos com considerável abertura à experiência não necessariamente precisam manifestar elevada extroversão e vice-versa.
No estudo, vocês concluem que a extroversão é a principal característica que afeta positivamente a participação das pessoas em protestos ou manifestações políticas. Já a sociabilidade teria um efeito contrário, ou seja, o de reduzir a possibilidade de participação em protestos. Mas como analisar essas características levando em conta a agenda política? Ou seja, o tema político local não pode alterar as probabilidades indicadas no estudo?
Ribeiro: É preciso lembrar que o padrão de comportamento políticos dos indivíduos é determinado por um amplo conjunto de fatores em interação, logo, a agenda política local, as barreiras e incentivos institucionais, os recursos individuais e coletivos, dentre outros, afetam a forma como a personalidade individual irá favorecer ou dificultar a participação política. Neste sentido, mesmo indivíduos com personalidade fortemente marcada pelo traço da sociabilidade podem ser levados à ação por contextos fortemente motivadores. No caso do protesto, por exemplo, contextos de alta desigualdade podem gerar sentimentos de privação relativa tão intensos que podem inibir qualquer aversão ao conflito inerente à constituição psicológica individual. É preciso, portanto, entender que elementos psicológicos e ambientais, como sociais, políticos e econômicos atuam em combinação. O que nós pesquisadores tentamos identificar, ainda de forma inicial, é qual o peso de cada um desses fatores.
O resultado do teste para o caso Brasil mostra que aqui apenas a sociabilidade tem efeito estatisticamente significativo, ou seja, com o seu efeito negativo sobre a participação. Novamente, como extrair desse conhecimento dados para compreendermos junho de 2013? Será que a mobilização de um tema político não pode incentivar pessoas menos propensas a participar de protestos?
Ribeiro: Sim, é possível que fatores contextuais ou ambientais, como uma nova política geradora de grave injustiça ou desigualdade, anulem ou reduzam os constrangimentos psicológicos individuais até o ponto em que a ação é praticada. O que os nossos resultados parecem indicar é que contextos semelhantes e fatores sociais, políticos, econômicos ou culturais não afetam todos os indivíduos de forma idêntica, pois não somos iguais no que diz respeito à nossa constituição psicológica interna. Um tema político pode, portanto, incentivar o protesto, mas esse incentivo não afeta à todos os cidadãos da mesma maneira.
O estudo não considerou a característica do protesto. Por exemplo, hoje temos muitos protestos políticos via web. Esse tipo de participação pode ser um incentivo para aqueles menos propensos a participar do tradicional protesto de rua, não?
Ribeiro: O estudo considerou apenas a pergunta genérica sobre a participação em protestos nos últimos 12 meses. É provável que os protestos online realmente atraiam um público distinto, menos extrovertido. Estou orientando um trabalho de mestrado em que a aluna está analisando a participação online e até agora identificamos que esse tipo de envolvimento exige menos em termos de eficácia política subjetiva, mas infelizmente o survey que contém as variáveis de ativismo online não tem as questões sobre personalidade, o que inviabiliza o teste.
Panamá, Chile e Venezuela foram os países em que a extroversão apresentou valores significativos para o efeito positivo da participação em protestos. Há algum elemento contextual que ajude a explicar melhor a proximidade do resultado desses três países?
Ribeiro: A etapa atual da pesquisa não nos permite avaliar os efeitos de fatores contextuais de cada unidade nacional analisada, mas isso já está em nossa agenda. Nossa próxima pesquisa pretende identificar justamente quais são os efeitos de variáveis como PIB, taxa de inflação, Gini, desenho político-institucional e outras caraterísticas estruturais sobre os efeitos provocados pela personalidade sobre o protesto.
http://oglobo.globo.com/blogs/base-dados/posts/2014/11/04/extroversao-aumenta-probabilidade-de-pessoa-participar-de-protestos-553844.asp