Diariamente, 845,6 mil paranaenses saem de suas casas para estudar ou trabalhar em cidades vizinhas. Isso quer dizer que 8% da população do estado faz movimentos pendulares, como os especialistas chamam o deslocamento da população para trabalho e estudo em municípios que não o de residência. Em uma década esse número quase dobrou – passou de 478,6 mil para 845,6 mil –, enquanto a população do estado cresceu 9,2%, e houve uma desconcentração da movimentação em Curitiba. Os dados estão em uma pesquisa realizada pelo Ipardes com base em dados divulgados à imprensa ontem pelo IBGE.
A capital ainda é a cidade que mais recebe trabalhadores e estudantes – são quase 300 mil pessoas por dia. Em dez anos, a cidade descentralizou um pouco dessas entradas: em 2000, 42,75% da população em deslocamento no estado vinha para a capital, contra 35,42% em 2010. Além disso, Curitiba assumiu o posto de município que mais envia pessoas para outras localidades, somando cerca de 85 mil pessoas. Em 2000, era Colombo, na região metropolitana, a cidade com maior número de saídas.
Caminho com volta e despesas
William Kayser, da Gazeta Maringá
Rodrigo Lima da Silva, 27 anos, mora em Sarandi e trabalha em Maringá há dez anos. Os 12 quilômetros que separam os municípios nunca afetaram o bolso dele, mas sim as horas de sono. Nos primeiros anos inserido no mercado de trabalho, o recepcionista precisava de dois ônibus intermunicipais para chegar no serviço. Atualmente, com uma motocicleta própria, tudo mudou. “Ganhei uma hora a mais de sono [risos]. Com a moto é muito mais prático, chego em 20 minutos no trabalho.”
Enquanto ele já está adaptado às sua rotina, as estudantes Danielle Sanchez, 19 anos, de Campo Mourão, e Marcela Souza Cruz, 23 anos, de Paranavaí, ainda estão se acertando. Danielle, que estuda Moda no Cesumar, até arriscou morar com parentes em Maringá. Não deu certo. Para percorrer os 180 quilômetros entre ida e volta, ela gasta R$ 370 por mês e fica 3h30 em uma van.
O trecho de Marcela é mais curto: são 40 quilômetros a menos. Apesar disso, perde 4 horas no deslocamento. “A van pega as pessoas casa por casa, então eu chego a ficar uma hora rodando ainda na minha cidade”, contou a caloura no curso de Jornalismo do Cesumar, que gasta mensalmente R$ 260 com a locomoção. “Qualquer esforço vale a pena quando fazemos algo que gostamos”. Para mais comodidade no ano que vem, Marcela quer mudar para Maringá. O gasto será um pouco maior, mas o tempo perdido é menor.
Palavra Indústria
Em relação aos que se deslocam para trabalhar em cidades vizinhas, há de se considerar o aumento do emprego industrial e a busca por profissionais qualificados. Um exemplo é Cafelândia, no Oeste do estado. A cidade, com 14,6 mil habitantes, recebia cerca de 2,8 mil pessoas para trabalhar diariamente em 2010. O volume de trabalhadores é similar ao recebido por Cianorte, município com quase 70 mil habitantes e pólo da produção têxtil do estado.
36 km e pedágios
Acordar cedo, gastar além do planejado e perder horas de sono ou na estrada são alguns dos desafios que muitas pessoas enfrentam diariamente para ir e vir das cidades onde moram. Renan Pirath Ferro (foto), de 22 anos, percorre diariamente os 36 quilômetros que separam Mandaguari de Maringá, no Noroeste do Paraná. “Quando vou de carro, por causa do estágio de tarde, tem o problema do pedágio. Como não tem outro jeito, pago na ida e na volta”, conta o estudante do 4º ano de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM). O gasto chega a mais de R$ 500 no mês.
A análise dos dados dos últimos dois censos ainda mostra uma tendência de consolidação de polos regionais, cidades de médio porte que têm atraído um grande contingente populacional. Para o professor de Economia da Unioeste e doutor em Demografia Ricardo Rippel, esse é um movimento típico do Brasil, com a despolarização das capitais, um fenômeno que ocorre em vários estados, especialmente em São Paulo. “É uma tendência, as cidades médias oferecendo emprego e melhor qualidade de vida”, avalia.
O sociólogo e pesquisador do Ipardes Paulo Roberto Delgado, coautor do estudo, aponta São José dos Pinhais como um caso emblemático da região de Curitiba. “Embora ainda tenha um número elevado de pessoas que saem para trabalhar em outro município, São José é hoje um importante receptor de mão de obra da região metropolitana, inclusive da capital”, analisa. Ou seja: algumas cidades da região metropolitana estão deixando de ser apenas cidades dormitório e se fortalecendo com a oferta de boas vagas de emprego e a instalação de novas empresas.
Interior
No interior, Londrina e Maringá continuam sendo os principais polos receptores, mas outras cidades estão se destacando. No caso de deslocamentos para estudo, os pesquisadores notaram um aumento na movimentação de entrada em Cascavel, no Oeste, e em Cornélio Procópio e Jacarezinho, no Norte Pioneiro. Pela faixa etária, é possível afirmar que grande parte são estudantes universitários ou de cursos técnicos. “Durante toda a década, houve várias iniciativas de fortalecimento das universidades estaduais, com campi em várias cidades”, analisa Delgado.
Morar na capital e trabalhar fora dela
O ir e vir entre a capital paranaense e as cidades da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) mudou na última década. Se antes as cidades da RMC eram dormitórios, hoje atraem muitos profissionais que optam por morar na capital, com sua infraestrutura completa, e trabalhar nos municípios vizinhos.
Esse é o caso de Theo Marés, de 37 anos, que mora em Curitiba e trabalha em Piraquara, onde é procurador do município, e São José dos Pinhais, onde dá aulas de Direito em uma faculdade.
“Já pensei em mudar de cidade. Só não saio porque minhas filhas estudam e as melhores escolas estão em Curitiba. Minha família também está aqui”, conta. Diariamente, ele leva cerca de duas horas se deslocando entre as cidades e é o trânsito o que mais o incomoda.
Esse trajeto entre a capital e uma cidade vizinha também é bem conhecido pela família da pedagoga Célia Bronguel, de 56 anos. Natural de Araucária, ela deixou a cidade para morar em Curitiba na época da faculdade. “Araucária era uma cidade pequena e não oferecia trabalho na minha área, então fui morar e trabalhar em Curitiba”, conta. Em 1991, ela prestou um concurso para atuar em Araucária e foi aprovada.
Começaram então as viagens diárias entre as cidades, que só terminaram quando a filha mais velha foi para a universidade e a família voltou para Araucária, por volta do ano 2000. O alto custo e o trânsito influenciaram na decisão da família.