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Trabalho identifica as repercussões psíquicas e sociais, pela experiência de integrar um grupo de maracatu

A nova mestre Viviane Ribeiro defendeu sua dissertação no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPI), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), recentemente, sob a orientação da professora do Departamento de Psicologia (DPI), Eliane Domingues. A acadêmica se destaca por ser a primeira estudante quilombola a se tornar mestre no estado do Paraná.  

Seu trabalho intitulado “Baque Mulher: Feministas do Baque Virado” teve como objetivo identificar as repercussões psíquicas e sociais desencadeadas pela experiência de integrar também o Baque Mulher Maringá, grupo percussivo de maracatu que integra o movimento de empoderamento feminino. A finalidade foi viabilizar o protagonismo feminino no maracatu-nação, por meio de um batuque composto exclusivamente por mulheres, que cantam, dançam e tocam “loas” (canções) próprias, compostas como instrumento de expressão feminista de luta e resistência pelos direitos das mulheres.

Para a coleta de dados dessa pesquisa, os procedimentos adotados foram desenvolvidos por meio da observação da participante, registrados em diário de campo e entrevistas semiestruturadas, transcritas de áudio e vídeo e apresentadas em forma de narrativas individuais.

Segundo Viviane Ribeiro, “a análise permitiu contemplar a vivência de mulheres que se uniram a partir de uma finalidade compartilhada: vivenciar o maracatu-nação aliado a uma bandeira de luta, objetivo que ao ser transposto pela singularidade de cada batuqueira, encontrou desvios no seu próprio desejo e abertura para a criação de novos sentidos”.

Sobre o fato de ser a primeira quilombola a defender mestrado na área declarou “O sentimento é de surpresa, não esperava ser a primeira quilombola no Paraná mestra em Psicologia e também, é de muita honra por estar abrindo o caminho para que outras também possam acessar a Pós-Graduação, sobretudo, em cursos como o de Psicologia, considerado elitizado. Espero que a UEM continue atenta e aberta a pluralidade e que o curso receba cada vez mais alunos de comunidades tradicionais, sempre dispostos a escutar e aprender com os saberes não hegemônicos”.

Ribeiro comentou sobre sua origem e sua pesquisa realizada na Comunidade Quilombola, Invernada Paiol de Telhas, que está situada em Guarapuava, no distrito de Entre Rios, Colônia Socorro, aproximadamente a 25 quilômetros da cidade. “Retornei para a comunidade recentemente, pois havia me ausentado em razão dos estudos. A minha família, assim como a grande maioria da comunidade, trabalha com agricultura familiar, pecuária de leite e produção de queijos. Quando estou em casa, auxilio nessas rotinas de trabalho e atuo no Coletivo Cultural e Artístico Paiol das Artes vendendo alimentos que são produzidos na comunidade. Dessa atividade, o coletivo recebe visita de escolas, universidades e pessoas interessadas em conhecer o quilombo, por meio de um roteiro turístico. Ofertamos área para camping, alimentação típica, contação de história, apresentações artísticas e oficinas de dança, música, percussão, tranças nagô e confecções de bonecas abayomi*, proporcionando uma fonte de renda extra para as pessoas da comunidade”. A mestre lamentou que uma das maiores dificuldades está relacionada a distância, pois temos que nos ausentar do nosso território para trabalhar. Há alguns anos, o coletivo vem atuando no sentido de buscar editais de fomento, para realização de Projetos no Quilombo, a fim de que as pessoas de nossa comunidade possam sair para estudar, retornarem e permanecerem aqui, prestando serviços e sendo atividades” reiterou.

De acordo com a mestra, “um dos nossos sonhos é a construção da escola regular e de contraturno, tanto para acolher nossas crianças e oferecer uma educação diferenciada, de acordo com nossa cultura, como para abrigar nossos profissionais. Temos muitos quilombolas com formação superior que poderiam atuar na comunidade, mas faltam recursos e interesse público para que isso se concretize”.

Para Ribeiro, “uma comunidade que respeita e reconhece a força de suas mulheres, bem como seu poder e encantamento produzido pela cultura afro-brasileira e pelo manancial de produção de saberes transmitidos por meio da música, da dança, da culinária, do exercício da fé, do saber de suas benzedeiras, do plantar, do colher e das histórias que ligam nossas vidas aos nossos ancestrais, em um ciclo contínuo, do qual aprendi a me reconhecer como mulher negra, quilombola e a valorizar nosso legado e que continuará depois de mim” afirmou.

Sobre: O maracatu nação ou maracatu de baque virado é um tipo de maracatu, um ritmo musical, dança e ritual de sincretismo religioso com origem no estado de Pernambuco. Trata-se do mais antigo ritmo afro-brasileiro. É formado por um conjunto musical percussivo que acompanha um cortejo real. Os grupos apresentam um espetáculo repleto de simbologias e marcado pela riqueza estética e pela musicalidade. O momento de maior destaque consiste na saída às ruas para desfiles e apresentações no período carnavalesco.

*Bonecas abayomi: A origem das bonecas Abayomi tem sido frequentemente contada como remontando à época da escravidão, sendo confeccionadas a bordo de navios negreiros. Segundo essa estória, as mães as faziam para os filhos com os retalhos de suas roupas, as quais rasgavam à unha na esperança de os acalentar naqueles momentos dolorosos que viviam. Assim, as bonecas representariam a resistência, e o amor de mãe, a proteção. A ausência de traços faciais teria o intuito de abarcar todas as etnias de origem africanas escravizadas pelos colonizadores, levando a ideais de inclusão, de coletividade, de força conjunta.