Realizada pelo professor Wanderley dos Santos, equipe do Bioplan foi publicada no jornal Biomass and Bioenergy
Um experimento coordenado pelo professor do Laboratório de Bioquímica de Plantas da Universidade Estadual de Maringá (Bioplan/UEM), Wanderley Dantas dos Santos, e pelo professor e coordenador do Laboratório de Fisiologia Ecológica da Universidade de São Paulo (Lafieco/USP), Marcos Buckeridge, conseguiu aumentar em até 120% a sacarificação do bagaço da cana-de-açúcar ao longo de 12 meses. A descoberta tem potencial baratear o custo da produção do etanol de segunda geração.
Financiado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol, o artigo foi publicado no jornal Biomass and Bioenergy. O projeto recebeu recentemente apoio do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), sediado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com a Shell.
Com mais de uma década de estudos, o ponto de partida foi o estágio de pós-doutorado em Fisiologia Ecológica de Plantas que o professor do Bioplan desenvolveu na USP, sob supervisão de Buckeridge, entre 2007 e 2009. Os estudantes de doutorado Diego Gonzaga, Victor Hugo Salvador, Denis Freitas, Breno Joia e Dyoni Oliveira bem como os pesquisadores do Bioplan Rodrigo Constantin, Fabiano Rios, Rogério Marchiosi e Osvaldo Ferrarese-Filho (fundador do Bioplan) também assinam o artigo.
A pesquisa consistiu na seleção e aplicação de compostos naturais com atividade biológica nas plantas de interesse agrícola, sendo eles o ácido metilenodioxicinâmico (MDCA), ácido piperolínico (PIP) e daidzina (DZN). Esses compostos são inibidores específicos de enzimas envolvidas na síntese da lignina, molécula que confere rigidez à parede celular da planta. Ao alterar o metabolismo da lignina os pesquisadores facilitaram o acesso de enzimas hidrolíticas ao carboidrato da parede celular da planta, como a celulose. Assim, é possível produzir mais açúcares que podem ser fermentados para a produção de etanol.
A descoberta poderá contribuir para aumentar e baratear a produção do chamado etanol de segunda geração, feito a partir do resíduo da biomassa (bagaço) da planta. O grande produtor desse tipo de álcool, que corresponde a 1,5% da produção total de etanol nacional, é a Raízen, joint venture entre Cosan e Shell, localizada no interior de São Paulo. “Nossa ideia é gerar uma cana-de-açúcar mais fácil de sacarificar, ou seja, de extrair os açúcares das celuloses”, disse o coordenador do projeto Bioplan.
Com a aplicação dos compostos seria possível melhor aproveitar a biomassa da cana-de-açúcar. “Com a modificação na lignina, o bagaço se torna mais fácil de ser digerido pelas enzimas. Ou seja, será necessário utilizar menos enzimas no decorrer do processo. As enzimas correspondem à parte mais cara da produção do etanol de segunda geração”, informa o professor da USP. Atualmente, o bagaço é utilizado para geração de calor e bioeletricidade, mas sua utilização como fonte de açúcares poderia aumentar em até 40% a produção de etanol no país.
Em 2018, os pesquisadores obtiveram patente sobre a tecnologia. Isso motivou a criação de duas startups, encabeçadas por estudantes da UEM: a Power Growth e a Biosolutions. Ambas já foram contempladas em editais como o Catalisa, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) do Paraná, e o Academic Working Capital (AWC), realizado pela operadora TIM. Conforme Santos, a ideia é elaborar um produto a partir de um desses compostos.
Como são produtos naturais, nenhum dos três inibidores trazem efeitos colaterais para a planta e não prejudicam demais seres vivos. Os pesquisadores também testaram os compostos na braquiária, utilizada para alimentação do gado a fim de permitir que os animais consigam extrair mais carboidratos com menor quantidade de capim, conseguindo aumentos de até 21% na sacarificação (30 dias após a aplicação). Testes também foram realizados com a soja que tem sido considerada uma opção melhor que o milho para silagem, considerando seu maior conteúdo proteico. O estudo mostrou que a sacarificação da soja pode ser elevada em até 36% com a tecnologia.
Agora com recursos do RCGI, o grupo desenvolve um projeto visando testar a eficácia da tecnologia na unidade da Raízen, sediada em Campinas, no estado de São Paulo. O projeto é conduzido pelo professor Wanderley dos Santos que atua como pesquisador visitante na USP.
O grupo denomina a tecnologia de engenharia fisiológica que analogia com a engenharia genética, promove mudanças de interesse nas plantas cultivadas manipulando a fisiologia da planta com moléculas bioativas. Usando a engenharia fisiológica o grupo também tem obtido sucesso em acelerar o crescimento de mudas para arborização urbana, reflorestamentos e recuperação de pastagens degradadas. Além disso, o grupo também tem obtido êxito em induzir aumentos médios de 30% no teor de lignina em caules, folhas, vagens e grãos de soja o que protege as plantas e grãos de estresses biológicos e mecânicos. Esta tecnologia está em fase avançada de desenvolvimento em parceria com a Fortgreen.
“As possibilidades são inúmeras e promissoras. A engenharia fisiológica é uma tecnologia baseada em estratégias utilizadas pelas próprias plantas na natureza. Ela abre todo um novo campo de pesquisa e aplicações que junto com o melhoramento genético e a engenharia genética, apenas começa a mostrar seu potencial para contribuir com avanço da agricultura e da agroindústria no Brasil”, finaliza o professor da UEM.
*Texto redigido com a supervisão dos jornalistas da Assessoria de Comunicação Social (ASC)